Revista de Divulgación Científico-Tecnológica del Gobierno del Estado de Morelos

Oguatá ko yvy mbae meguá

Kowa’ amombe’u marãipa tupi guarani kwery oikóba’eatsy regwa a’e marãipa onhimbo’e a’e omboatsa Arandukwaá araka’e.

M’Byá Guarany

Resumo: Essa comunicação aborda como os povos indígenas compreendem o processo de saúde e doença e analisa a importância da Educação Popular para o diálogo e fortalecimento dos saberes e práticas originários dos povos indígenas.

A perspectiva da saúde como construção sociocultural, e não biológica, permite uma análise ampla do processo de saúde levando em consideração as dinâmicas de vida das pessoas, suas histórias, contextos etnográficos, relações com as formas de viver e estar no cosmos.[1] Porém, os povos originários nos convocam a borrar as fronteiras dos nossos conceitos e modos de ver, estar e viver, sem especismo ou antropocentrismo. Conscientes de que a palavra-linguagem é uma das estratégias de colonização, com imposição de um sistema de signos e significados.

Para os povos tupi guarani cada povo originário é um profeta e um poeta, Nhe’ẽ significa ao mesmo tempo “falar”, “vozes”, “alma”. Trair ao tentar traduzir o espírito em palavras é um desafio comum aos poetas. A palavra saúde não tem uma “tradução” para o tupi guarani. Algo que mais se aproximaria seria nhanderekó, que pode ser compreendida como “nosso belo modo de viver”, envolve uma interconexão com todos os seres vivos e não vivos (das pedras, água aos espíritos), uma forma de interser, em que toda a existência consciente e não detectável pela “inteligência” humana faz parte da vida, do sonho, corpo-território, de tantos outros mundos em coexistências.

Se uma planta não pode viver de acordo com o seu modo de ser, então ela morre; o mesmo acontece com todos os seres humanos e não-humanos. “Quando nós, povos Guarani, não podemos viver de acordo com o nhanderekó, nosso modo de ser, a vida fica triste, a vida mingua, a vida morre”.[2]

Nesse sentido, propomos nesta breve comunicação abordar como os povos indígenas compreendem o processo de saúde e doença e analisar a importância da Educação.

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[1] OPS-OMS. Política sobre etnicidad y salud. 29ª Conferencia Sanitaria Panamericana. 2017.

[2] Daniel Iberê. Povos Indígenas: Alimentos, Ancestralidade e Sagrado em Tempos de Crise. Observatório Brasileiro de Hábitos Alimentares. Fiocruz Brasília. 2020.

 

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Popular para o diálogo e fortalecimento dos saberes e práticas originários dos povos indígenas.

Salienta-se que esses povos, na maioria das vezes, vêm historicamente em toda América Latina sendo silenciados em suas diversas formas de existência, como também massacrados pela devastação e ocupação dos seus territórios cada vez mais visados pelas políticas desenvolvimentistas. A ideia de desenvolvimento é por si, colonizadora. O desenvolvimento passa a ser um valor inquestionável, que dentro do sistema capitalista, classifica países e povos como desenvolvidos ou não. Para maquiar o desenvolvimento predatório, utilizam as palavras sustentável e ecodesenvolvimento, na tentativa de uma colonização desenvolvimentista, que atenta para as questões ambientais e sociais. No Brasil, sobretudo ultimamente, temos as nossas vidas ceifadas e expropriadas, diariamente, seja sugada por uma draga de exploração ilegal de minério em Roraima, como as Crianças Yanomami; seja pelo contato com os juruá[1] (não-indígenas) e a veiculação de doenças, como gripes, muitas vezes fatais; seja pelo despejo de agrotóxicos em cima de nossas escolas e aldeias etc. Em outras palavras, a nossa (re)existência também se faz pulsante através da ação de interconectar mundos, (re)criar possiblidades e (re)produzir saúde.

Nesse sentido, podemos perceber que o silenciamento e o apagamento aplicados aos conhecimentos tradicionais nos coloca em situação desprotegida frente à biopirataria que envolve o comércio e a utilização ilegal de plantas e animais como na Amazônia, alguns para uso doméstico e muitos para uso da indústria farmacêutica, como, por exemplo, o caso do jaborandi, da copaíba, do cupuaçu, entre outros. Também, frente a não interligação de saberes junto às políticas institucionalizadas, no caso do Brasil, como na implementação da Política Nacional de Saúde Indígena que, por vezes, reforça um cuidado fundamentado na racionalidade neoliberal, hegemônica biomédica ou na construção da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares que ignora saberes e práticas de cuidado indígenas.

A Educação Popular em Saúde tem papel fundamental na compreensão da realidade de cada indivíduo/coletivo que é diferente em cada local e cultura e deve ser pensada a partir desses cenários, bem como interpretadas e referenciadas culturalmente, eticamente e politicamente dentro de suas matrizes.[2] Dialogar a partir dos princípios que fundamentam a Educação Popular, como a amorosidade e a problematização, faz-se necessário para pensar práticas de saúde abrangentes que confrontem práticas hegemônicas que, muitas vezes, perpassam o enfrentamento entre culturas, sem reconhecimento dos saberes das pessoas, sobretudo dos saberes dos povos indígenas.

Os silenciamentos dos saberes e práticas dos povos originários induzem à manutenção da ideia de que não há outros caminhos para o cuidado em saúde e a produção de modos de vida, além do triste e mortal caminho neoliberal de mercantilização da vida. Pensar que os encantamentos dos povos originários configuram formas de ser e estar no mundo a partir de suas cosmovisões que produzem além de resistência, re-existências ressignificando práticas de cuidado que possibilitem a busca por um bem viver recriando mundos possíveis. Também, trilham a partir de linguagens ao infinito que caminham pela estética da arte e seguem produzindo vida, portanto, reverberam saúde. Destacamos que os povos originários desta parte do continente são diversos e plurais (diferentes linguagens, etnias, tradições e práticas espirituais), com maneiras distintas de pensar, viver e sentir, segundo suas variadas formas de ver o mundo: um mundo de mundos vários, em desafio de coabitar, de com-viver, de bem-viver. Para os povos originários, as concepções de saúde e de doença são mais amplas que as das sociedades ocidentais: envolvem a manutenção de seus espaços sagrados, das memórias antigas; o respeito por tudo que vibra e pulsa; significa águas puras, ambiente preservado, território demarcado, alimento livre de sangue de genocídio; significa antes de tudo a saúde da comunidade, ampla, viva e coletiva. Estar curado em uma sociedade doente é estar doente com ela.

 

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Vimos aprendendo que além de sermos seres únicos, interseres e não dissociados em nossas partes físicas, mentais e espirituais —quem faz essa repartição são os não indígenas— somos seres unos em coletividade, ou seja, andamos e levamos nossos filhos/parentes aonde formos, onde estivermos há que ter espaço para todos. Espaço esse de viver e reproduzir o ser e estar, desde a alimentação, dança, reza, perpassando desde as crianças aos idosos. Também, nós povos indígenas trazemos que não há perspectiva de mudança da realidade, aqui transformação social, se não estivermos unidos. Unidos acolhendo, respeitando, cuidando e caminhando juntos em uma direção.

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Um graveto aceso pode ser disperso e apagado com o vento, assim como uma gota de água seca rapidamente ao sol. No entanto, quando juntos gravetos ou águas, dependendo da intensidade e do curso percorrido podem mudar o rumo de uma sociedade, transformando-a para sempre. Sendo assim, a educação popular pode ser um dos caminhos, entre os vários, para que se estabeleça um diálogo problematizador com as diferentes cosmologias a fim de refletir com o desenvolvimento de práticas de cuidado não autoritárias e mais horizontalizadas que dialoguem com a realidade dos povos originários e sobretudo as fortaleçam.

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[1] O termo juruá é utilizado para designar a pessoa que fala “da boca pra fora”.

[2] Santos BS. Justicia entre saberes: epistemologías del Sur contra el epistemicidio. Ediciones Morata S.L. España, 2017.

 


Antrop. Daniel Iberê Guarany M’Byá / Esta dirección de correo electrónico está protegida contra spambots. Usted necesita tener Javascript activado para poder verla. | Universidade de Brasília de la gran nación Tupí Guaraní

Enf. Michele Neves Meneses / Esta dirección de correo electrónico está protegida contra spambots. Usted necesita tener Javascript activado para poder verla. | Universidade Federal do Rio Grande do Sul

TSP Tatiana Oliveira Novais / Esta dirección de correo electrónico está protegida contra spambots. Usted necesita tener Javascript activado para poder verla. | Fiocruz Brasília